http://www.revistaethica.com.br/postscriptum.pdf
Este número termina o volume 18 da revista Ethica - Cadernos acadêmicos, e encerra um dos cursos de pós-graduação em filosofia mais antigo do país. O encerramento da Ethica decorre diretamente das circunstâncias lastimáveis que fecharam o Programa de Pós-Graduação em Filosofia, stricto sensu, da Universidade Gama Filho neste ano de 2012. No contexto do PPGF, a revista representava sua principal contribuição para a comunidade de pesquisa filosófica no Brasil. Sendo esta produzida pela Editora Gama Filho e financiada inteiramente pela própria UGF.
A história do PPGF da UGF apresenta um certo espelho da ressurgência da filosofia no Brasil desde a consolidação da democracia nos anos 1990. Nos primeiros passos desta pesquisa filosófica, devemos saudar o corrente institucional do tomismo brasileiro, seguido pelo momento do liberalismo, anterior a pesquisa sobre história(s) de filosofia no seu contexto luso-brasileiro. Orientação por parte necessária para recompor o foco e o horizonte da pesquisa. O foco em historia da filosofia e filosofia da religião possibilitou ao PPGF da UGF a entrada na comunidade de pesquisa das principais universidades do país, sustentando desta forma o Curso de Mestrado e Doutorado da instituição.
A revista Ethica começou a se internacionalizar pela contribuição singular do professor titular do PPGF, Flávio Beno Siebeneichler, quando realizou convites sucessivos a Jürgen Habermas e Karl Otto Apel a lecionar na universidade, no final dos anos 1990. Desde então, o PPGF se destacou como um centro de excelência na pesquisa em teoria critica e ética. Neste campo, duas contribuições foram significativas para o programa: a pesquisa filosófica sobre gênero da professora titular Maria da Penha e a pesquisa sobre Aristóteles, do então coordenador Edson Resende, que ao assumir o cargo em 2002, abriu um novo campo de pesquisa em ética na cena filosofia carioca, principalmente em filosofia francesa. Cabe ressaltar que a nova organização sempre teve dificuldade para se estabelecer tanto por negligência da própria administração da UGF, instituto particular que confrontou a crise das universidades particulares na era do Presidente Lula e deixou de investir suficientemente no programa, quanto pelas exigências da Capes, pouco sensível a reconhecer o desafio da pesquisa em ciências humanas teóricas no âmbito do mercado da educação superior particular.
Nos anos 2000, o cargo de Editor científico passou ao Prof. Dr. Jorge Vasconcellos, que se destacou pelo número duplo consagrado a Nietzsche, que desenhou o perfil francês da reflexão sobre Nietzsche nas universidades cariocas, isto é, o impacto da denominada “escola nietzscheana francesa”, composta pelos filósofos Gilles Deleuze, Michel Foucault e Jacques Derrida. Somado à contribuição do Prof. Dr. Filipe Ceppas na filosofia de educação, o PPGF da UGF expirava um ar especialmente francês.
Portanto, no PPGF, o polo de pesquisa se estabeleceu por vários anos a partir da tensão entre a teoria critica da segunda geração da Escola de Frankfurt e o pós-estruturalismo francês. Contudo, o momento de pesquisa nas questões estritamente éticas na filosofia francesa, começou de maneira mais intensiva quando a Profa. Maria da Penha assumiu o cargo de Editora cientifica da revista e introduziu o formato temático que deu impulso qualitativo às pesquisas publicadas na revista, tal como realizou a indexação da revista no Philosopher’s Index e Latindex, e a levou ao formato html (www.revistaethica.com.br). Números temáticos sobre Alain Badiou, Pragmatismo, Aristóteles, novas tendências na Filosofia da religião, tal como na ética e na filosofia moral na tradição da English-speaking filosofia, e o número sobre Emanuel Levinas, definiram o campo e o compromisso da pesquisa publicada nas páginas do periódico.
Sendo assim, a razão pela qual o PPGF chegou ao seu fim pode ser fenomenologicamente relatado da seguinte maneira. No início da década passada, começou a necessidade de reforçar a coleta CAPES por uma exigência segundo a qual a produção dos professores deveria ser registrada apenas como produção da UGF. Isso, entre outros fatores, resultou numa redução dramática de docentes permanentes no programa. Cabe dizer que no relatório trienal de 2002, a CAPES já tinha advertido que o número de docentes permanentes era baixo para um curso de Doutorado. Infelizmente ficou ainda menor este número, apesar das promessas feitas pela administração. Em 2010, por falta de investimento e pelo motivo da não abertura de um curso de graduação, o PPGF foi descredenciado, mesmo que a produção dos docentes tenha aumentado significativamente em quantidade, qualidade e reconhecimento, bem como a intensificação da pesquisa na área de concentração, tanto nacional quanto internacionalmente.
Contudo, em 2011, algo inusitado ocorreu. A instituição passou à mantença de uma nova entidade e o novo reitor decidiu investir expressivamente no programa de modo a recompô-lo, e pediu que um novo Projeto de Mestrado fosse submetido ao Edital APCN da Capes em julho. Também em julho de 2011, abriu-se finalmente uma licenciatura composta por um corpo docente altamente qualificado, os próprios professores doutores (e pós-doutores) do PPGF. Novas contratações foram feitas e três grupos de pesquisa, certificados pelo CNPq, reforçaram a pesquisa no programa. Importante ressaltar que o novo corpo docente se engajou, com uma verve fora do ordinário, com o desafio de credenciar o programa novamente. Neste contexto de crescimento dinâmico, foi a professora Caroline Izidoro Marim quem assumiu o cargo de editora cientifica da revista.
Porem, quando a APCN não foi aprovada na última semana de dezembro de 2011, e a seleção de novos alunos foi impossibilitada, a mantenedora, em plena processo de fusão entre UGF e UniverCidade, precipitadamente retirou seu apoio, demitiu seis professores, fechou os cursos de pós-graduação e de graduação, e exonerou o coordenador.
Portanto, quero neste Post-Scriptum, prestar homenagem pública aos professores demitidos. Quero expressar meu agradecimento a eles principalmente pela forte presença e disposição para realizar aquilo que teria sido um programa de pesquisa na área de ética atualizado com os grandes centros de pesquisas do mundo, com excelentes perspectivas futuras.
• Flávio Beno Siebeneichler, principal especialista brasileiro de Habermas e Apel;
• Emmanuel Carneiro Leão, professor Emérito de filosofia e ética no Brasil;
• Maria da Penha, uma das poucas pesquisadoras brasileiras especializadas na ética vinculada à questão do gênero, e a principal articuladora do PPGF;
• Walter Valdevino Oliveira, Pós-Doutor pela PUC-RS, bolsista do Programa nacional de pós-doutorado da própria Capes e vencedor de uma Menção Honrosa - Prêmio Capes de Tese Edição 2010, que se distinguiu também como webmaster dos recursos informáticos do PPGF em 2011;
• Delmo Mattos, doutor pela UFRJ, um crescente especialista nacional de Thomas Hobbes e Líder do Grupo de Pesquisa Contratualismo Moral e Político (CNPq);
• Hélia Freitas, heideggeriana e helenista da escola de Marco Casanova da UERJ, cuja tese foi defendida frente aos ilustres Profs. Edgar Marques (ANPOF) e André Duarte (CAPES).
Além deles, quero saudar todos que contribuíram para a edição de nossa revista: a secretaria extraordinária de nosso programa, Fabiana Santos da Silva; André Luiz Santos, responsável pelo projeto gráfico da revista; Gabriela Silveira, design e responsável pela página web da revista; professor Jorge Atílio pelo excelente colóquio organizado sobre bioética em agosto de 2011, que serviu como base ao belo dossiê neste número da revista; e, last but certainly not least, a editora científica da Ethica, há bem pouco tempo, professora Caroline, que, ao editar assiduamente a revista, duplicou o meu sofrimento ao escrever esta despedida.
Que viva a pesquisa filosófica!
Norman R. Madarasz, Docteur en philosophie. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia (2010-2012) Coordenador do Curso de Graduação em Filosofia 2011 Diretor do Departamento de Filosofia
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